O manto Sagrado

                                                               
                                         
                                       


                        Olhava para a paisagem e o sol escaldante castigava a Terra, sentia seu pulmão pesado devido ao ar rarefeito por causa da poluição, as flores eram raquíticas, as gramíneas todas amareladas, as vegetações morriam devido à falta de chuva, as árvores com seus galhos secos davam uma sensação de coisa inóspita, as árvores frutíferas estéreis, as florestas todas queimadas, o mar poluído com suas águas escuras, as cachoeiras sem quedas d água, os peixes nos rios todos mortos, os animais que haviam sobrado, todos magros, babando de fome e de sede... Ouviu o choro triste de uma mãe, pois não tinha mais leite para dar para os seus filhos totalmente desnutridos, a fome era muito grande, era quase total... Morriam sozinhos e desamparados.
                        A Terra havia virado de cabeça pra baixo, os que eram pobres ficavam cada vez mais miseráveis, os ricos e gananciosos se desesperavam, pois todas as suas riquezas de nada mais valiam, já não tinham mais o que comprar comer e beber.
                        E na sua estupidez o Homem não compreendia que era ele o culpado e continuava se omitindo como se tudo o que estava acontecendo era alguma alteração da natureza e com o tempo tudo voltaria ao normal.
                        Muitos lutavam e brigavam por um pedaço de terra, outros se matando por causa de religião, outros em suas meras ilusões roubavam para poderem ficar cada vez mais ricos. E continuavam mentindo, roubando, sacaneando, odiando, blasfemando... Corrupção geral.
                        O sexo, a bebida, vícios e orgia corriam soltos família totalmente desintegrada, sem falar nas doenças que eram fatais e a soberbia cada vez mais dando espaço para o apego. Eles não tinham noção de que quando se morre nada se leva e saiam atropelando a tudo e a todos, só guardando, juntando, escondendo e camuflando.
                        Ela com lágrimas descendo pela sua bela face lembrava de um mundo distante, onde havia beleza e poesia, onde a natureza tinha um lugar de destaque. Os Governantes eram justos, a política era quase transparente, o povo era fiel e as Igrejas, os que a comandavam, tinham o poder da oratória e o dom da palavra Santa e não dispersavam as suas ovelhas.
                        Sentiu um vento abafado nos seus cabelos e, enxugando as lágrimas, olhou para o Céu e pediu perdão pela ignorância dos povos da Terra e pediu também o milagre da renovação e de mais uma oportunidade.
                        Maria, Maria!...Onde Você está?...
                        E essas palavras ficaram no seu cérebro durante muito tempo. Voltou aos seus afazeres, trabalhava como artesã: pintava, bordava, costurava... E sua irmã Lira a ajudava nas suas prendas domésticas, pois viviam sós, mas com harmonia e zelo, pois seus Pais a ensinaram a amar.
                       
                        Era tarde da noite, quando terminaram seus afazeres e sentaram na varanda e olhando para o céu embaçado, começaram a orar e agradecer por tudo, principalmente pela vida e Maria que era a mais nova e sonhadora pediu:
                        - Deus... Dê-me um presente? Deixa-me ver outra vez o céu azul escuro salpicado de estrelas e a lua prateada.
                         Lira sorriu da irmã, mas ficou quieta esperando, pois não duvidava da fé de Maria... Passados alguns minutos começou um vento forte, e foi limpando todo o céu esfumaçado e por incrível que pareça, o milagre aconteceu e todos saíram das casas para ver o lindo céu azul escuro, salpicado de estrelas e uma enorme lua prateada, os mais incrédulos diziam que a natureza resolveu tomar vergonha e outros apenas olhavam aquela beleza serena. Maria e Lira abraçada choravam de alegria e agradecimento a Deus.
                        E foram dormir felizes por aquele milagre embalado pela luz do luar. Passado uns meses do belo acontecido estavam tomando o café da manhã e ouviu batidas na porta Lira foi abrir... Era um Senhor distinto, magro, alto, tez morena e olhos claros, carregando um pacote na mão sorrindo disse:
                        - Bom Dia! Eu soube que aqui mora uma das mais famosas artesãs? Estou no endereço certo?...Maria se apresentou e lhe disse:
                        - Eu sou artesã, mas não sou famosa, eu apenas faço aquilo que gosto com amor... Posso ajudá-lo em alguma coisa?...                  
                        - Eu tenho um tesouro aqui comigo, mas é algo muito sigiloso e ninguém poderá saber, têm que ser um segredo entre nós. Posso entrar?...Não tenham medo.                       
                        Foram para uma pequena saleta e Lira lhe serviu uma xícara de café com alguns biscoitos e um pouco de água.
                        E o Senhor Lia começou a falar, com seu sotaque arrastado.
                        - Maria eu venho de um lugar muito distante e tenho aqui nesse pacote a coisa mais valiosa do mundo, durante muito tempo eu guardei e pedi a Deus que me mandasse uma resposta onde eu deveria dar para restaurar, arrumar e bordar.
                        Maria e Lira ouviam atentamente cada palavra do homem ficando muito curiosas, ele continuava narrando a sua história:
                        Um mês atrás estava sentado na minha varanda quando deu um vento muito forte e, de repente, o céu ficou todo estrelado e enluarado, uma beleza só aí eu chorei e quando adormeci sonhei com uma moça de cabelos cumpridos e acobreados que estendia a mão pra mim e me entregava o manto. No sonho perguntei de onde era, e por incrível que pareça ela falou esse endereço... Ficaram em silêncio...
                        - Maria foi o seu cabelo que vi no meu sonho, então estou no lugar certo.
                        Abrindo o pacote tirou um manto azul desbotado, já surrado e fustigado pelos anos e em algumas partes rasgado e desfiado, mas limpo. Colocou na mão de Maria e ela abraçou aquele manto e começou a chorar... E então perguntou:
                        - Senhor Lia porque estou tão emocionada?...De quem é esse manto?...
                        - Maria e Lira, por favor, tenham muita força, fé e serenidade... - Esse manto pertenceu a Maria, mãe de Jesus, Nsa. Senhora... Eu e alguns pesquisadores fomos para a Terra Santa onde uma guerra derrubara muitas Igrejas e também a casa que fora de Nsa. Senhora. Achamos por detrás de um altar uma pequena porta e, ao abri-la, descemos uma escada e no final dessa havia uma salinha pequena com uma mesa de alvenaria, em cima dela um baú de madeira com um cadeado. Quebramos o cadeado ao abri-lo, encontramos escritos em latim, por sorte um dos historiadores falava fluente essa língua traduziu-a:- Quem achar esse manto, por favor, restaure-o e o borde bem lindo, pois esse manto é algo sagrado, pertenceu a Mãe de Jesus, hoje nossa rainha. Depois disso, coloque-o numa redoma de ouro e guarde-o através dos séculos, quem o restaurar terá uma surpresa. E estava assinado José de..., Não conseguimos ler o resto, pois foi apagado pelo tempo.
                        Os três ficaram sentados pó um bom tempo emocionados, sem falarem nada.                    
                        Então Maria falou:
                        - Senhor Lia é muita preciosidade na minha mão, não sei se mereço essa tarefa, pois tenho os meus defeitos e não sou tão pura de alma, estou assustada.
                        - Maria, por favor, faça isso pela história no mundo que não pode morrer você foi a escolhida por Deus, o povo está sem fé, a Terra está morrendo e quem sabe aí nesse manto sagrado terá toda a nossa resposta e ajuda.
                        - Está bem Senhor Lia vou restaurar e deixá-lo bem lindo só que preciso de tempo, pois é um serviço demorado e importante. Peço que passe o seu endereço ou telefone e assim que ficar pronto eu entrarei em contato.
                        O Senhor Lia fez o que ela pediu e disse que não tinha pressa. Despedindo-se das duas irmãs foi embora feliz, pois já havia cumprido metade de sua missão.
                        Maria com a ajuda de sua irmã tingiu o tecido de azul noite, costuraram o que estava rasgado, cerziram. O manto ficou novo e lindo.
                        Maria fez o desenho dos bordados e elas começaram a bordar com lindas pedrinhas e fios dourados, conforme iam tecendo naquela paz que emanava do manto, esquecidas do mundo lá fora, iam orando e agradecendo.
                        À noite enquanto Lira já dormia, Maria pegava o manto jogava em suas costa e ajoelhando-se pedia:
                        - Nsa. Senhora mãe de Jesus Joga seu manto sagrado sobre toda a minha família, cure de todas as enfermidades e vícios... Toda noite fez isso, sem que Lira ouvisse seus pedidos.
                        Veio visitá-las uns parentes por parte de mãe e elas os acolheram com alegria e conversaram muitos assuntos. Lira perguntou:
                        - Marcos, meu primo você sarou você está tão bem?...
                        - Lira, olha, aconteceu uma coisa muito mágica com toda nossa família, todos que estavam doentes vomitaram muito, quase um dia todo e no outro dia estávamos todos curados. Eu não bebo mais, não fumo e meu rim voltou a funcionar, os médicos nem acreditaram e por incrível que pareça toda a nossa família sonhou com Maria um dia antes... Eu acho que a nossa bela Maria como sempre têm orado muito por nós.
                        Maria, com seu porte tão lindo, seu belo rosto de traços forte e seus lindos cabelos acobreados longos, sorriso largo disse:
                        - Sempre estarei rezando por todos, e com certeza foi um milagre de Nsa. Senhora, então sempre que a tristeza, a dúvida, a doença, a inveja, a ira, a ignorância... Atingi-los... Peçam assim: - Nsa. Senhora cubra-me com seu Manto Sagrado e podem ter a certeza de que Ela os atenderá.                                 
                        Sentadas na varanda depois de um dia de trabalho cansadas, mas tranqüilas, começaram a conversar e Maria olhando para Lira falou:
                        - Lira, foi milagre o que aconteceu com nossa família... E contou tudo para a irmã o que vinha fazendo de noite com o manto.                       
                        - Maria, eu já sabia!...Quando nosso primo relatou o acontecido, eu senti na hora, só não falei nada pra Você, pois quis deixá-la à vontade. Eu a amo muito e tudo o que fizer, pode ter certeza que irei assinar em baixo.                             
                        O Manto Sagrado estava ficando lindo, parecia de uma rainha, estavam na metade do manto e eis que o calor insuportável não a deixava trabalhar direito. Maria ficou um pouco irritada, indo até a janela e, olhando para o seu quintal tão seco, onde o sol escaldante castigava, falou quase gritando:
                        - Maria, Mãe de Jesus manda chuva para toda a Terra. Por favor, Mãe perdoe o nosso pecado.
                        Lira só olhou para a irmã e não se atreveu a duvidar continuou bordando e Maria foi buscar um pouco mais de linha no seu quarto, ouviu um barulho, uns trovões, um vento, assustada correu para a pequena saleta e abraçou a irmã e dizendo:
                        - Meu Deus minha irmã tudo o que eu peço acontece. Você ouviu isso... E começou a maior chuva na Terra que há muito tempo elas não viam.
                        Os vizinhos correram para a rua, calçadas, quintais... Deixavam aquela chuva cair sobre eles como uma benção, era muita felicidade.
                        No outro dia o ar estava fresco, as gotinhas de chuva nas pequenas plantas raquíticas, alguns passarinhos bebendo as gotinhas de água e um beija-flor veio pousar na sua janela ficando horas coçando-se... E Maria e Lira vendo aquele espetáculo da natureza que há muito tempo não viam, agradeceram.
                        O Manto Sagrado ficou pronto, o manto de Nsa. Senhora ficou belíssima, passaram e penduraram em um cabide para não amassar até o dia de sua partida.
                        Lira teve que sair para pagar algumas contas e fazer uma pequena compra pra casa e Maria ficou sozinha restaurando outras peças que tinha que entregar.
                        Maria foi até o guarda-roupa abriu e vestiu o mando de Nsa. Senhora e olhando-se no espelho viu com alegria como tinha ficado perfeito. Pensou no milagre da renovação e de mais uma oportunidade na Terra, onde só os bons e os puros de coração habitar-na-iam e continuou sonhando... A Terra fértil, os rios limpos, as belíssimas cachoeiras, as flores, o cantar dos pássaros, as Campinas verdejantes, as vegetações, as florestas exuberantes, o mar com suas ondas quebrando nos rochedos, os animais... Enfim a flora e a fauna recuperadas e o planeta Terra restaurado. Onde a miséria, ganância, ódio, cobiça inveja, raiva, orgia, ira, omissão, blasfêmia, guerra, doença, roubo... Desapareceria para dar lugar à humildade, à paz, à felicidade, amor e à fé... Enxugou as lágrimas e tirando o Manto Sagrado abraçou-o, beijou-o com amor e guardando novamente. Orou: Nsa. Senhora cubra-nos com seu Manto Sagrado.

                        Maria, Maria!...Tenha fé!...E essas palavras ficaram na sua mente por um bom tempo.
                        Lira chegou correndo fechando a porta, gritou: - Maria, Maria... Onde Você está?... Ajude-me a pegar as coisas e a fechar a casa, vai chover!... Chuva muita pesada.
                        Maria sobressaltada acordou, foi ajudar sua irmã, mal fecharam tudo, começou a tempestade, acabou a força, o vento dava medo, parecia que iria arrancar tudo do chão, era um verdadeiro dilúvio, escutavam barulhos, gritos, sirenes, galhos de árvores caindo, pessoas chorando. A chuva feia demorou cinco horas, depois veio à calmaria, mas continuou chovendo pesado durante três dias e três noites, sem nenhuma comunicação, pois tudo se havia cortado, não dava para sair.
                        Todo o tempo da chuva, Maria e sua irmã pegaram o Manto Sagrado e o seguraram rezando até vir o cansaço e as duas adormeceram. Os puros de coração sonharam com coisas lindas e os outros tiveram que prestar contas da sua consciência mais da metade morreu, foram destruídos pelas catástrofes.
                        Dormiram uma semana.
                        Um raio de sol entrou de leve pela fresta da janela e acordou Maria e Lira que dormiam abraçadas ao Manto Sagrado, elas acordaram ainda meio sonolentas, tontas, se levantaram, guardaram o manto e foram tomar banho.
                        Lira já havia preparado o café e abriu a janela para poder apagar a luz e ficou petrificada, a natureza estava lá mais linda do que nunca, começou a chorar e quando se deu conta Maria estava abraçada com ela chorando falou:
                        - Lira nós alcançamos o milagre da renovação e de mais uma oportunidade na Terra, agora não podemos mais errar e agora temos que telefonar para o Senhor Lia e pedir para que ele venha buscar o Manto de Nsa. Senhora, Ele já não nos pertence mais.
                        Maria ouviu uma voz do outro lado da linha com um sotaque estrangeiro arrastado: - Senhor Lia, mas aqui não tem nenhum Senhor Lia, a Senhora deve ter se enganado de número... Desligou... Lira, e agora, o que vamos fazer?...
                        - Nós vamos comprar um baú bem lindo, pintar e fazer uma imitação de ouro, pois não temos dinheiro para comprar uma redoma de ouro, vamos embrulhar o Manto em um pano branco e guardar escrevendo toda a história e colocar dentro dele guardar e pedir que aquele que um dia achar o Manto tome conta dele, pois foi com ele que aconteceu o milagre da renovação.
                        Maria concordou e foram atrás do baú, pintaram, imitaram o ouro, escreveram a cartinha, forraram com veludo vermelho para proteger, enfim tudo pronto foi buscar o Manto para abraçar mais uma vez antes de lacrar para sempre e eis que para surpresa das duas ele havia desaparecido.
                        Maria falou:
                        - Lira não pode ficar triste, temos que acreditar e ter fé e um dia saberemos onde foi parar o Manto de Nsa. Senhora. Iremos continuar a nossa vida, um pouco mudada, mas vamos conseguir.
                        E a vida continuou com paz, harmonia, fartura, alegria, esperança e fé na Terra.
                        Domingo, na saída da missa, o Padre da paróquia chamou Maria e Lira para verem um quadro que ele havia ganhado, mas que precisava ser restaurado, pois a pintura já estava velha.
                        O padre tirou o pano que envolvia o quadro e lá estava uma pintura de Nsa. Senhora muito linda com o manto bordado de Maria e de Lira.
                        Maria, Maria!...Eu estou aqui!...